Doença Renal Crónica
Guidelines

Guidelines KDIGO 2024

Recomendações da Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) para a avaliação e gestão da Doença Renal Crónica.1

20 min

Objetivo

As presentes guidelines têm como objetivo auxiliar na tomada de decisões relativamente à gestão de doentes (adultos e crianças) com Doença Renal Crónica (DRC), não se focando em doentes em diálise ou transplantados renais.1


O documento inclui recomendações para: avaliação da DRC, avaliação de risco em pessoas com esta doença, atraso da progressão da doença e gestão das respetivas complicações, prática clínica e administração de medicamentos na DRC e modelos ideais de tratamento.1

Principais recomendações

A prevenção e o diagnóstico da Doença Renal Crónica (DRC) devem ser realizados de forma transversal pelos cuidados de saúde primários e outras especialidades, como endocrinologia, cardiologia e oncologia, para além da nefrologia.2

Estas recomendações apoiam vivamente esforços destinados à deteção precoce e ao tratamento da DRC nos doentes com alto risco desta doença, incluindo doentes com hipertensão, diabetes e doença cardiovascular (DCV).2

Avaliação da DRC

  • O rastreio de pessoas em risco e com DRC deve considerar a medição de albumina na urina (razão albumina-creatinina, RAC) e a avaliação da taxa de filtração glomerular estimada (TFGe).

  • Na sequência da deteção de uma relação albumina/creatinina urinária (RAC) elevada, de hematúria ou de uma taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) baixa, repetir os exames para confirmar a presença de DRC.

  • Em adultos com risco de DRC, recomenda-se a utilização da taxa de filtração glomerular estimada com base na creatinina (TFGecr). Se a cistatina C estiver disponível, a categoria da TFG deve ser estimada a partir da combinação da creatinina e da cistatina C (taxa de filtração glomerular estimada baseada na creatinina e na cistatina C [TFGecr-cys]) (1B).

  • A prova de cronicidade (duração mínima de 3 meses) pode ser estabelecida mediante:
 

(i) revisão de medições/estimativas anteriores da TFGe;
  

(ii) revisão de medições anteriores de albuminúria, proteinúria ou urina microscópica;


(iii) achados imagiológicos, tais como redução do tamanho dos rins ou redução da espessura cortical;
  

(iv) alterações patológicas renais, tais como fibrose e atrofia;
  

(v) história clínica, especialmente patologias que possam causar ou contribuir para o desenvolvimento da DRC;
  

(vi) repetir medições dentro de 3 meses.


Não assumir cronicidade com base em apenas um único achado anormal para TFGe e RAC, uma vez que, o achado pode ser resultado de um evento recente de lesão renal aguda (LRA) ou doença renal aguda (DRA).

  • Sugere-se a realização de uma biopsia renal como um teste de diagnóstico aceitável e seguro para avaliar a causa e orientar as decisões de tratamento quando clinicamente apropriado (2D).

  • Considerar o início de tratamentos para DRC na primeira apresentação de TFGe diminuída ou RAC elevada se a DRC for considerada provável devido à presença de outros indicadores clínicos.

  • Recomenda-se a utilização da TFGecr-cys em situações clínicas em que a TFGecr é menos precisa e a TFG afecta a tomada de decisões clínicas (1C).

  • Recomenda-se a utilização de uma equação validada de estimativa da TFG para derivar a TFG a partir dos marcadores de filtração sérica (TFGe) em vez de se basear apenas nos marcadores de filtração sérica (1D). Utilizar a mesma equação em regiões geográficas (conforme definido localmente [por exemplo, continente, país e região] e o mais alargado possível).
    Em certas  regiões, as equações podem ser diferentes para adultos e crianças. Deve evitar-se a utilização da raça no cálculo da TFGe.

  • Utilizar as seguintes medições para a avaliação inicial da albuminúria (por ordem decrescente de preferência).


Em todos os casos, a primeira amostra de urina da manhã é preferível em adultos e crianças.
(i) RAC urinário, ou
(ii) análise à urina em tiras reagentes para albumina e RAC (Razão Albumina/Creatinina) com leitura automatizada

Se medir a proteína da urina, use as seguintes medições:
(i) relação proteína/creatinina urinária (RPC),
(ii) análise à urina em tiras de reagente para proteínas totais com leitura automatizada, ou
(iii) análise à urina em tiras de reagente para proteínas totais com leitura manual.

  • Utilizar métodos mais precisos quando a albuminúria for detetada utilizando métodos menos precisos. Confirmar albuminúria e/ou proteinúria positivas nas tiras de reagentes por medição laboratorial quantitativa e expressar como a proporção para a creatinina urinária sempre que possível (ou seja, quantificar o RAC ou RPC se os testes semiquantitativos iniciais forem positivos).

  • Confirmar se RAC ≥ 30 mg/g (3 mg/mmol) numa amostra aleatória com uma subsequente primeira amostra matinal de urina.

Avaliação de risco em doentes com DRC1

  • Avaliar a albuminúria em adultos, ou albuminúria/proteinúria em crianças, e a TFG pelo menos uma vez ao ano em doentes com DRC.

  • Avaliar a albuminúria e a TFG mais frequentemente em indivíduos com maior risco de progressão da DRC sempre que a medição tiver impacto nas decisões terapêuticas.

  • Em doentes com DRC, uma alteração de mais de 20% na TFGe, num teste subsequente, excede a variabilidade esperada e justifica uma avaliação.

  • Em doentes com DRC que iniciam terapêuticas com impacto hemodinâmico, as reduções da TFG >30%, num teste subsequente, excedem a variabilidade esperada e justificam uma avaliação.

  • Em doentes com DRC G3-G5, recomenda-se a utilização de uma equação de risco validada externamente para estimar o risco absoluto de doença renal (1A).

[Nota: as equações de previsão de risco desenvolvidas para utilização em doentes com DRC G3-G5 podem não ser válidas para utilização em doentes com DRC G1-G2].

  • Para a previsão do risco cardiovascular com vista a orientar terapêuticas preventivas em doentes com DRC, devem ser utilizados modelos validados externamente que tenham sido desenvolvidos em populações com DRC ou que incorporem a TFGe e a albuminúria.

  • Para que a previsão do risco de mortalidade oriente as discussões sobre os objetivos dos cuidados, devem ser utilizados modelos validados externamente que prevejam a mortalidade por todas as causas, especificamente desenvolvidos para a população com DRC.

Atrasar a progressão da DRC e gestão das suas complicações1

Adotar uma estratégia de tratamento abrangente para pessoas com DRC, de modo a reduzir os riscos de progressão da doença e complicações associadas.

  • Incentivar os doentes com DRC a praticar atividade física compatível com a saúde cardiovascular, tolerância e nível de fragilidade; atingir um índice de massa corporal (IMC) ideal e incentivar a cessação tabágica. O encaminhamento para prestadores de serviços e programas (por exemplo, psicólogos, dietistas renais ou prestadores de serviços de nutrição acreditados, farmacêuticos, fisioterapia e terapia ocupacional e programas de cessação tabágica) deve ser oferecido sempre que indicado e disponível.

  • Recomenda-se que os doentes com DRC sejam aconselhados a realizar uma atividade física de intensidade moderada com uma duração cumulativa de, pelo menos, 150 minutos por semana, ou a um nível compatível com a sua tolerância cardiovascular e física (1D).

  • Aconselhar os doentes com DRC a adotarem dietas saudáveis e diversificadas, com um maior consumo de alimentos de origem vegetal em comparação com os alimentos de origem animal e um menor consumo de alimentos ultra-processados.

  • Sugere-se a manutenção de uma ingestão de proteínas de 0,8 g/kg de peso corporal por dia em adultos com DRC G3-G5 (2C).

  • Sugere-se que a ingestão de sódio seja <2g de sódio por dia (ou <90 mmol de sódio por dia, ou <5g de cloreto de sódio por dia) em doentes com DRC (2C).

  • Sugere-se que os doentes com TA elevada e DRC sejam tratados com uma tensão arterial sistólica (TAS) alvo de <120 mmHg, quando tolerada, utilizando a medição padronizada da TA (2B).

  • Recomenda-se iniciar ISRA (inibidor da enzima conversora da angiotensina [iECA] ou antagonista do recetor da angiotensina II [ARA]) para doentes com DRC e albuminúria gravemente aumentada (G1–G4, A3) sem diabetes. (1B)

  • Sugere-se iniciar ISRA (iECA ou ARA) para doentes com DRC e albuminúria moderadamente aumentada (G1–G4, A2) sem diabetes. (2C)

  • Recomenda-se iniciar ISRA (iECA ou ARA) para doentes com DRC e albuminúria moderada a gravemente aumentada (G1–G4, A2 e A3) com diabetes. (1B)

  • Recomenda-se evitar qualquer combinação de iECA, ARA e outros inibidores diretos da renina em doentes com DRC, com ou sem diabetes. (1B)

  • Considerar iniciar em doentes com DRC com albuminúria normal a ligeiramente aumentada (A1) um ISRA (iECA ou ARA) para indicações específicas (por exemplo, para tratar hipertensão ou insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida).

  • Continuar iECA ou ARA em doentes com DRC mesmo quando a TFGe reduza abaixo de 30 mL/min/1,73 m2.

  • Recomenda-se o tratamento de doentes com DMT2, DRC e uma TFGe ≥20 ml/min/1,73 m2 com um iSGLT2 (1A). [Uma vez iniciado um iSGLT2, é razoável continuar o iSGLT2 mesmo que a TFGe desça abaixo dos 20 ml/min/1,73 m2, exceto se não for tolerado ou se for iniciado diálise ou transplante renal].

  • Recomenda-se o tratamento de doentes com DRC com um iSGLT2 para os seguintes casos (1A): TFGe ≥20 ml/min/1,73 m2 com RAC na urina ≥200 mg/g (≥20 mg/mmol), ou insuficiência cardíaca, independentemente do nível de albuminúria.

  • Sugere-se o tratamento de doentes com TFGe 20 a 45 ml/min/1,73 m2 e com RAC na urina <200 mg/g (<20 mg/mmol) com um iSGLT2. (2B)

  • O início ou utilização do iSGLT2 não requer alteração da frequência da monitorização da DRC e a diminuição reversível da TFGe no início não é, geralmente, uma indicação para descontinuar a terapêutica.

  • Considerou-se também que o início do iSGLT2 não requer alteração da frequência da monitorização laboratorial. Não é necessário verificar novamente as análises ao sangue após o início de um iSGLT2 em adultos com DRC.

  • Sugere-se  um ARM não esteroide com benefício renal ou cardiovascular comprovado para adultos com DMT2, TFGe >25 ml/min/1,73 m2, concentração normal de potássio sérico e albuminúria (>30 mg/g [>3 mg/mmol]) apesar da dose máxima tolerada de ISRA. (2A)

  • Um ARM não esteroide é mais apropriado para adultos com DMT2 que estão em alto risco de progressão da DRC e eventos cardiovasculares, como demonstrado pela albuminúria persistente apesar de outros tratamentos standard of care.

  • Um ARM não esteroide pode ser adicionado a um ISRA e a um iSGLT2 para o tratamento de DMT2 e DRC em adultos.

  • Nos doentes com DMT2 e DRC que não atingiram os objetivos glicémicos individualizados apesar da utilização de metformina e de um iSGLT2, ou que não podem utilizar estes medicamentos, recomenda-se a introdução de um arGLP-1 de ação prolongada. (1B)

Recomendações para tratamento com iSGLT2

DRC & DMT2
• Recomenda-se o tratamento de adultos com DMT2 e DRC com uma TFGe ≥ 20 ml/min/1,73 m2 com um iSGLT2 (1A).1

DRC & IC
• Recomenda-se o tratamento de adultos com DRC e IC com iSGLT2, independentemente do nível de albuminúria. (1A).1

DRC
• Recomenda-se o tratamento de adultos com DRC com iSGLT2 quando TFGe ≥ 20 ml/min/1,73 m2 com RAC urina ≥ 200 mg/g (≥ 20 mg/mmol) (1A).1
• Recomenda-se o tratamento de adultos com TFGe entre 20 a 45 ml/min/1,73 m2 com RAC urina <200 mg/g (<20 mg/mmol) com um iSGLT2 (2B).1

O DIAGNÓSTICO PRECOCE É O FATOR DECISIVO PARA UM BOM PROGNÓSTICO DA DRC3

A identificação e a intervenção precoce da DRC é crítica!3

ACR: albumina/creatinina urinária

ARA: antagonista do recetor da angiotensina II

arGLP-1: análogos dos recetores dos peptídeos 1 glucagon-like

ARM: antagonistas dos recetores mineralcorticoides

BCC: bloqueador dos canais de cálcio

CKD-MBD: chronic kidney disease-mineral and bone disorder

CV: cardiovascular

DRA: doença renal aguda

DCV: doença cardiovascular

DCVA: doença cardiovascular aterosclerótica

DMT2: diabetes mellitus tipo 2 

DRC: Doença Renal Crónica

DRPAD: Doença renal policística autossómica dominante

g: gramas

GRADE: Grading of Recommendations, Assessment, Development, and Evaluations

HTA: hipertensão arterial

IC: Insuficiência Cardíaca

IECA: inibidor da enzima conversora da angiotensina

IMC: índice de massa corporal

IRA: Insuficiência renal aguda

iSGLT2: inibidores dos cotransportadores 2 de sódio-glucose

ISRA: inibidores do sistema renina-angiotensina

KDIGO: Kidney Disease: Improving Global Outcomes 

LES: lúpus eritematoso sistémico

LRA: lesão renal aguda

mmol: millimole

TA: tensão arterial 

RAC: razão albumina creatinina

RPC: relação proteína/creatinina urinária

TAS: tensão arterial sistólica

TFGcr-cys: taxa de filtração glomerular estimada baseada na creatinina e na cistatina C

TFGe: taxa de filtração glomerular estimada

TFGecr: taxa de filtração glomerular estimada baseada na creatinina

PCSK9i: Proprotein convertase subtilisin/kexin type 9 inhibitors

RACU: razão albumina/creatinina na urina


Referências:

  1. Levin A, et al. (2024). Executive summary of the KDIGO 2024 Clinical Practice Guideline for the Evaluation and Management of Chronic Kidney Disease: Known knowns and known unknowns. Kidney international, 105(4), 684-701.

  2. KDIGO 2024 Clinical Practice Guideline for the Evaluation and Management of Chronic Kidney Disease. Kidney international. 105(4), S117-S314

  3. Ravera M, et al. CKD Awareness and Blood Pressure Control in the Primary Care Hypertensive Population. Am J Kidney Dis. 2011;57(1):71-77

  4. ISN-KDIGO Quick Guide CKD Eary Identification and Intervention in primary care, consultado em https://www.theisn.org/initiatives/toolkits/ckd-early-screening-intervention/#PrimaryCare, acedido em 09/2024


EI/JUN24/PT/041

PT-18840 aprovado a 10/2024

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